Gratificações e Vantagens no Serviço Público: Quando Podem Ser Incorporadas ao Salário ou Aposentadoria?

16/09/2025

No serviço público (e também em alguns casos celetistas, como em empresas estatais), há dúvidas frequentes sobre quando gratificações ou vantagens concedidas ao servidor devem ou podem se incorporar ao salário permanente ou aos proventos de aposentadoria. A jurisprudência consolidou diversos critérios e limites, mas é importante destacar que, desde a Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma da Previdência), é vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo. Essa vedação não se aplica a incorporações já efetivadas antes da entrada em vigor da EC 103/2019, preservando direitos adquiridos. A seguir, um panorama prático atualizado.

Conceitos importantes

  • Gratificação / vantagem: Parcelas pagas além do vencimento/salário-base, por condições especiais (cargo de chefia, função comissionada, desempenho, produtividade, representação, etc.).
  • Obrigatoriedade legal vs liberalidade: Se a gratificação/vantagem está prevista em lei ou regulamento, com critérios objetivos e visíveis, isso favorece a incorporação. Se for concedida apenas por decisão discricionária, voluntária ou temporária, o entendimento tende a ser pela não incorporação.
  • Permanente vs transitória / eventuais: Gratificações que se vinculam de modo contínuo ao exercício do cargo, e que não dependem de circunstâncias variáveis ou temporárias, têm mais chance de incorporação. Já as transitórias cessam com o fim da condição que as justificava.
  • “Pro labore faciendo” / “propter laborem”: Indica gratificações ligadas diretamente ao exercício da função ou condições de trabalho especiais; quando desaparece a condição, deixa de se ter direito (no caso de gratificações transitórias).

O que a jurisprudência tem admitido

Aqui alguns entendimentos firmados pelos tribunais sobre quando a gratificação ou vantagem se incorpora. Note que decisões posteriores à EC 103/2019 reforçam a vedação a incorporações de verbas temporárias, mas preservam casos preexistentes com base no direito adquirido e na irredutibilidade de vencimentos.

 
SituaçãoJurisprudência / Decisão que admite incorporaçãoComentários práticos
Gratificação de função ou cargo comissionado paga permanentemente, sem vínculo a tarefa extraordinária apenasExemplo: gratificações do SERPRO: “Função Comissionada Técnica (FCT)”, “Função Comissionada para Auxiliar (FCA)” e “Gratificação de Função Específica (GFE)” foram reconhecidas como de natureza salarial, quando pagas de forma habitual e sem distinção de tarefas extraordinárias (TRT 6ª Região, em precedentes como o Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 0000787-46.2017.5.06.0000).Se a gratificação se tornar permanente, instituída por regulamento ou lei, normalmente incorpora, desde que não seja considerada temporária pela EC 103/2019.
Gratificações pessoais / vantagem pessoal ligada à especialização, produtividade, ou função / cargo, quando previstas legalmenteParecer e decisões admitem que gratificação ou vantagem pessoal, obtida por produtividade ou especialização, pode ser incorporada, desde que preenchidos requisitos legais e não seja de caráter temporário (Parecer ADM nº 19/2020 da Câmara Municipal de São Paulo; STJ em REsp 1.658.517/RS enfatiza a análise da natureza jurídica para extensão a inativos).É importante que haja previsão legal ou regulamentar, e que o servidor realmente exerça funções compatíveis ou requisitos cumpridos. Pós-EC 103/2019, só se aplica se a verba for permanente.
Gratificações transitórias ou vinculadas às condições variáveis de trabalho (permanência da função, desempenho temporário, regalias temporárias)Em diversas decisões, gratificações transitórias não se incorporam aos proventos de aposentadoria ou ao vencimento permanente. Se cessar a condição que as justificava, o direito para (ex.: artigo em Migalhas sobre reflexos de gratificações, destacando que verbas transitórias não geram reflexos permanentes em aposentadoria).Exemplos: gratificação de desempenho, adicional por encargos temporários, quando a lei define que cai com o fim da situação que a gerava. Vedado pela EC 103/2019.
Gratificação de representaçãoDecisão do TJSP: gratificação de representação é vantagem concedida por nomeação para função específica; somente enquanto durar essa função, não incorporável permanentemente se deixada de exercê-la (ex.: Tema 25 de IRDR no TJSP sobre possibilidade de incorporação para policiais militares, mas limitada à duração da função).Ou seja: se o servidor deixar a função de representação, perde a gratificação; não vira parte estável do vencimento, alinhado à natureza “pro labore faciendo”.

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Jurisprudência constitucional e temas de repercussão geral

O STF fixou entendimento no Tema 1082 (RE 1225330) que as gratificações de natureza pro labore faciendo são incorporadas à aposentadoria conforme as normas de regência de cada uma delas, não caracterizando ofensa ao direito à integralidade a incorporação em valor inferior ao da última remuneração recebida em atividade por servidor que se aposentou nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 47/2005.

A jurisprudência também protege o princípio da irredutibilidade da remuneração e do direito adquirido: se a gratificação já foi regularmente percebida por determinado tempo, de maneira constante, ela pode ser considerada para incorporação ou efeito equivalente, conforme lei ou regulamento (ex.: entendimentos da Procuradoria-Geral do Estado do RS e STF em RE 596.962/MT sobre extensão de gratificações de caráter geral a inativos).

Critérios/ requisitos para incorporação

Para ter chance de sucesso, é bom observar:

  • Previsão legal ou normativa clara: Lei federal, estadual ou municipal, ou regulamento interno, que institua a gratificação, com critérios definidos: quem recebe, porque recebe, quando, e sob que condições. Pós-EC 103/2019, deve ser permanente.
  • Habitualidade / permanência: Não basta receber algumas vezes; há decisões que exigem que a gratificação seja percebida de forma contínua por certo período (ex.: pelo menos 2 anos em alguns casos, como na Lei nº 8.112/1990 para quintos), ou pelo menos estar em curso quando do ato da aposentadoria.
  • Natureza da gratificação: Se é inerente ao cargo/função permanente, ou se depende de atribuições extras, de desempenho ou condição variável. Se for algo transitório (“só enquanto exercer cargos comissionados”, “só enquanto durar certa função” etc.), tem menos chance de se incorporar, especialmente após 2019.
  • Momento do inativamento / aposentadoria: Se a gratificação estiver sendo paga no momento de aposentadoria, isso pesa bastante. Algumas decisões tratam de incorporar o valor vigente, mesmo que posteriormente o servidor deixe de exercer a função, mas respeitando as normas de regência.
  • Compatibilidade constitucional: Observância dos princípios da legalidade, isonomia, irredutibilidade da remuneração, direito adquirido. O servidor não pode ficar em pior situação.

Casos em que não se admite incorporação

  • Quando a gratificação for temporária ou transitória, ligada a condição que não é permanente do cargo (ex.: gratificações por desempenho variável, conforme Migalhas e EC 103/2019).
  • Quando for concedida por liberalidade, sem critérios objetivos ou regulamento, ou for discricionária, ou provisória.
  • Quando houver previsão legal expressa de que a gratificação não se incorpora ou se limita no tempo.
  • Se a lei local ou estatuto não permite, ou se o regime previdenciário ou funcional não prevê incorporação dessa vantagem (reforçado pela vedação da EC 103/2019 para novas incorporações temporárias).

Exemplo prático:

  • Servidor municipal com gratificação por chefia recebida há mais de 5 anos e com previsão legal permanente → pode pedir incorporação ao salário e inclusão no cálculo de férias, aposentadoria, etc., desde que anterior à EC 103/2019 ou não temporária.

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