Tripla acumulação: dois cargos de professor e uma aposentadoria. Mito ou possibilidade real?

05/12/2025

1. Por que todo mundo fala em “três rendas” no serviço público?

Não é raro ouvir professor comentar: “quero me aposentar e continuar em dois cargos, pra ficar com três rendas”. A ideia é tentadora, mas o Direito Constitucional e a jurisprudência do STF colocam limites bem claros nessa vontade.

A regra geral da Constituição é proibir a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas, admitindo apenas exceções muito específicas, como:

  • dois cargos de professor;

  • um cargo de professor com outro técnico ou científico;

  • dois cargos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas.

Ou seja: a “porta de entrada” da acumulação é estreita. E quando falamos em três fontes de renda públicas ao mesmo tempo, a situação fica ainda mais restrita.


2. O que é, na prática, “tripla acumulação”?

Tripla acumulação é quando a mesma pessoa recebe, ao mesmo tempo, três remunerações relacionadas ao poder público, por exemplo:

  • proventos de uma aposentadoria de professor + dois vencimentos de cargos de professor em atividade; ou

  • duas aposentadorias de cargos de professor + um vencimento em cargo ativo; ou

  • dois cargos em atividade + uma pensão ou provento.

Aqui entra o ponto central: o STF já enfrentou esse tema e firmou tese com repercussão geral (Tema 921), exatamente sobre hipóteses de servidor professor que recebia aposentadoria + dois vencimentos em cargos acumuláveis.

A tese fixada foi:

“É vedada a cumulação tríplice de vencimentos e/ou proventos, ainda que a investidura nos cargos públicos tenha ocorrido anteriormente à EC 20/1998.”

Traduzindo: o STF fechou a porta para a regra geral de três remunerações simultâneas oriundas de cargos públicos, mesmo que o servidor tenha ingressado em todos eles antes da reforma de 1998.


3. Dois cargos de professor + uma aposentadoria: é possível?

Aqui entra a pergunta que interessa ao professor:

“Se a Constituição permite dois cargos de professor, e eu já sou aposentado, não seria possível ficar com os dois cargos e a aposentadoria?”

A resposta honesta é: na maioria dos casos, NÃO. É mito achar que a tripla acumulação é automaticamente permitida.

3.1. Quando a resposta tende a ser “não” (regra geral)

Em termos de servidor estatutário (regimes próprios – RPPS), a interpretação predominante é:

  • Dois cargos de professor em atividade + uma aposentadoria de professor (ou de outro cargo público)
    – Esbarra diretamente na tese do Tema 921 do STF, que veda a tripla acumulação de vencimentos e/ou proventos. 

  • Duas aposentadorias de cargos acumuláveis + um cargo ativo
    – Segue a mesma lógica: três fontes remuneratórias ligadas a cargos públicos, em regra, violam o art. 37, XVI e §10 da CF/88.

A jurisprudência e notas técnicas (MTP, CGU, TCU) vêm reforçando o entendimento de que a exceção constitucional permite, no máximo, a dupla acumulação, não uma terceira posição remunerada permanente.


3.2. Quando a situação exige estudo caso a caso

Há, porém, cenários mais complexos, por exemplo:

  • Professor aposentado pelo INSS (RGPS) + dois cargos públicos de professor (RPPS);

  • Duas aposentadorias de cargos acumuláveis + pensão por morte;

  • Combinações envolvendo regimes distintos (RGPS x RPPS) e momentos diferentes de concessão.

Nesses casos, a discussão passa por pontos como:

  • se o benefício de aposentadoria é previdenciário comum (art. 201, RGPS) ou provento de servidor (art. 40, RPPS);

  • se a vedação do art. 37, §10, e a tese do Tema 921 alcançam aquele tipo específico de renda;

  • se a acumulação deriva de situações juridicamente independentes, como duas aposentadorias de cargos acumuláveis mais uma pensão que não se originou de “novo cargo” assumido pelo próprio servidor.

O próprio STF já reconheceu, por outro lado, que é possível receber duas aposentadorias de cargos acumuláveis (por exemplo, dois cargos de médico ou dois cargos de professor), desde que a acumulação fosse lícita na atividade.

Ou seja, dupla acumulação (dois cargos / duas aposentadorias de cargos acumuláveis) é uma realidade jurídica; o grande problema é querer adicionar uma terceira remuneração em cima disso.

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4. E o teto constitucional nesse jogo?

Mesmo quando a acumulação é lícita (por exemplo, dois cargos de professor), ainda existe o teto remuneratório.

O STF já decidiu, em casos de acumulação, sobre a aplicação do teto quando há mais de um vínculo, discutindo se o limite incide sobre cada remuneração isoladamente ou sobre o somatório, havendo entendimento de que a soma não pode ultrapassar o teto constitucional, ainda que os cargos sejam acumuláveis.

Para o professor isso significa:

  • Não basta a acumulação ser permitida;

  • É preciso também verificar se a soma final não viola o teto (teto federal, estadual ou municipal, conforme o ente).


5. Riscos práticos para o professor que “força” a tripla acumulação

Insistir em “três rendas” no serviço público pode gerar consequências bem concretas, como:

  • suspensão de uma das aposentadorias ou cargos, por decisão administrativa ou de controle externo (Tribunais de Contas);

  • exigência de devolução de valores recebidos em situação considerada inconstitucional;

  • discussão judicial longa e desgastante, normalmente com decisões alinhadas à tese do Tema 921, que é vinculante.

Em outras palavras, apostar em tripla acumulação como “estratégia financeira” é, hoje, mais um risco do que uma oportunidade.


6. Em resumo: mito ou possibilidade real?

Para o professor, a conclusão prática é:

  • Dois cargos de professor (ou professor + técnico/científico) – possível, se houver compatibilidade de horários e observância do teto.

  • Duas aposentadorias oriundas de cargos acumuláveis – possível, em hipóteses já admitidas pelo STF, respeitado o teto.

  • Tripla acumulação (dois cargos + uma aposentadoria; duas aposentadorias + um cargo; ou outras combinações com três fontes permanentes)em regra, vedada pelo Tema 921 do STF e por notas técnicas de controle interno e externo.

Portanto, para a maioria dos professores, “dois cargos de professor + uma aposentadoria” é mais mito do que realidade jurídica. Existem situações específicas que merecem estudo fino (especialmente quando envolve INSS x RPPS, pensões e datas antigas), mas a regra de segurança é: planejar antes, não tentar “empurrar” a tripla acumulação depois.

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